Ouço muita gente reclamar do sofrimento. Sofrimento de forma geral. Vejo muita gente sofrendo. Vejo velhos sofrendo, adultos, jovens e crianças sofrendo. Nos é dito que Deus não é o autor do sofrimento, mas sim seu anjo caído. Pois bem, então, qual a origem do sofrimento que o anjo caído nos tem imputado? Do criador perfeito ou da criatura imperfeita do criador perfeito?
O sofrimento é uma condição racional inerente à raça humana no que se refere à sua amplitude de ação. Sofremos fisicamente, emocionalmente. Sofremos porque queremos e sofremos sem querer isso.
É fácil compreender o sofrimento quando queremos isso, quando conscientemente buscamos um caminho pelo qual exista sofrimento. Difícil é compreender o sofrimento aleatório, como se fosse uma loteria. Quem será atropelado? Quem desenvolverá câncer? Qual bebê morrerá no ventre ou aos dois aninhos? Qual a próxima mulher a ser estuprada? Quando a morte virá me buscar e de que forma?
Essas são perguntas sem respostas. Quando não se compreende a soberania de um Deus que não requer respostas concebíveis, não se pode compreender o porquê do sofrimento. Não estou afirmando que Deus não exista ou que ele seja falho. Não se trada disso, afinal, quem sou eu para duvidar do universo à minha volta? Duvidar de seu incrível funcionamento e da vida que se originou aqui? Certamente existe o Criador.
Agora, afirmar que Deus existe é afirmar que ele é o autor do sofrimento? Se tomarmos como base as escrituras sagradas a resposta pode ser sim. Se a base for Jesus e sua graça salvadora a resposta é não. E então? Jesus é o Deus descrito nas escrituras ou Jesus é o messias, o filho do Pai a quem ele se referiu como sendo um Deus de amor?
É a recorrente questão de Jeová e Jesus. O Deus hebreu é de fato o Pai a quem Jesus prestava culto?
Às vezes penso que sim, outras não. Até que ponto a história de Jesus fora contaminada (não pejorativamente) pela história judaica? Até que ponto foi-se associada intencionalmente a figura do deus hebreu à do Pai de Jesus? Até que ponto a tradição oral foi fiel aos fatos históricos? Estaria Jesus referindo-se a Jeová quando falava do seu Pai de amor, pai de todos nós? Vendo que Jesus prosperava mesmo após sua morte, teriam as pessoas escrito que o Pai era de fato YHVH, para que sua crença não sucumbisse ante a revolução de Jesus?
Jesus foi de fato um grande mestre e o maior personagem da história de todos os tempos. Agora, o que o tornou assim tão importante? Sua morte e sua ressurreição, pois, obviamente, sua história não seria a mesma sem esses fatos. Não teríamos hoje mais de dois bilhões de seguidores apaixonados pelo seu amor ao homem.
Sua história contada nos evangelhos nos diz que ele realizou muitos feitos extraordinários e que possuía uma sabedoria e inteligência além dos padrões humanos. Guardadas as devidas proporções de fidelidade na redação original dos fatos históricos da vida e morte de Cristo, podemos seguramente saber que a essência da história é verdadeira. Ele realmente existiu, morreu e ressuscitou. Isso é a história. Duvidar disso é como duvidar de Platão, Aristóteles, Nero, Confúcio. Mas existem questionamentos legítimos, como por exemplo, se Jesus não escreveu nada, como chegou até nós a história de sua tentação no deserto? Afinal, ele estava só com Satanás. Então ele chegou do deserto após quarenta dias e contou tudo o que lhe aconteceu aos seus discípulos? Por que ele precisaria dizer isso? Ele jamais se enalteceu. Ou outra, enquanto seus discípulos dormiam, ele orava ao Pai a sua magnífica oração sacerdotal, descrita em João, capítulo dezessete. Os discípulos memorizaram essa linda oração durante o sono ou Jesus contou a eles o que havia conversado com Deus?
De fato, o evangelho, assim como o Velho Testamento, não podem ser considerados inerrantes. Não seria inteligente da nossa parte pensar assim e a defesa intransigente dessa tese é por demasiado geradora de conflitos e guerras sem motivos. Mas é perfeitamente legítimo crer em Jesus e em sua sobrenaturalidade, assim como creem outras pessoas em seus diversos deuses. Cada um tem sua base de fé e é isso que importa quando corações precisam ser confortados ao passarem por sofrimento. O que conforta a um, pode piorar o sofrimento do outro. Tudo depende de como vemos a Deus, inclusive se não o vemos, isto é, se não o consideramos parte de nossa história. É perfeitamente aceitável que a dúvida mantenha a muitos em estado de ceticismo. Para tudo existe um tempo na vida, inclusive para meditar sobre Deus. O que para uns é sofrimento, para outros é alegria. O que para uns é sofrimento, para outros é libertação. O que para uns é sofrimento, para outros é paz. O que para uns é sofrimento para outros é simplesmente a vida e seu decurso natural. Como equacionar tanta diversidade na perspectiva da compreensão do sofrimento? O ladrão que rouba e mata e que quando criança via seu pai fazer isso e o ensinava que assim era a vida, sabe do sofrimento que causa aos outros ou simplesmente está buscando a solução para o seu próprio sofrimento? Quando vem a doença, sofremos porque sentimos dor ou sofremos porque a dor nos atingiu? Sofremos pela dor física ou pela dor da alma? Por que desejamos uma morte rápida, de preferência durante o sono, com cem anos de idade, quando sabemos que no mundo existem milhões de pessoas que morrem tão depressa e nas mais terríveis situações? É no mínimo egoísta pensar assim.
Escrever sobre o sofrimento causa sofrimento por não podermos fazer nada quando o sofrimento chega, a não ser entregar o nosso carinho, compreensão, amor e solidariedade ao sofredor. Acima de tudo o que Jesus fez de sobrenatural, tal como os milagres presenciados por testemunhas oculares, ele fez o mais difícil no ser humano: transformou-lhe o coração. Existe o homem antes de Jesus e depois de Jesus. A vida antes de Jesus e depois de Jesus. O sofrimento antes de Jesus e depois de Jesus. A esperança antes de Jesus e depois de Jesus. E até mesmo Deus antes de Jesus e depois de Jesus.
Todo homem precisa de um tronco em meio ao mar.
Todo homem precisa de uma luz em meio à escuridão.
Todo homem precisa de um remédio para sua dor.
Todo homem precisa de resposta para sua pergunta.
Todo homem precisa de amor para seu ódio.
Todo homem precisa de emoção para sua razão.
Todo homem precisa de um Deus para seu vazio.
Qual será o meu, qual será o seu?
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